VIDA QUE TE QUERO VIVA

… histórias da Pebble
Sobrevivi
A intuição avisara mas não adiantou; estava desprevenida quando ela chegou.
No início da madrugada houve o primeiro anúncio. Sutil. Primeiro um leve gelar de ossos. Levantei, busquei ajuda: um gorro esquecido desde o último inverno, dois cobertores grossos, um em cima do outro. E assim aparatada deitei e esperei.
Estranho! Não sentia os pés. Por baixo dos cobertores um fio de gelo cravou-se desde os tornozelos até o pescoço; involuntariamente começaram-me a bater os dentes.
Para me certificar sobre os pés comecei a esfregá-los na esperança de que esta massagem os trouxesse à vida. Nem sombra.
Aí, já em leve desespero, levantei e tratei de tirar do fundo do baú mais dois cobertores antigos, pesadíssimos, daqueles de lã de carneiro que nem existem mais hoje, mas que de tão bons e quentes merecem a posteridade.
Os dentes batiam com força enquanto as quatro cobertas eram ajeitadas na cama e mais duas meias eram sobrepostas à que já estava no pé.
Me enfiei no que mais parecia um bunker em meio ao deserto gelado do Alaska, e fiquei ali em baixo, imóvel sob aquele peso incrível, o gorro enfiado até os olhos, os dentes batendo com força. Não conseguia dormir.
Esfregava desesperadamente os pés com medo de que, se não o fizesse, os perderia para sempre por debaixo dos cobertores.
Então percebi que algo mais estava acontecendo. O que era aquilo agora? Prestei atenção: estava com febre e, pelo jeito, daquelas altíssimas. Onde estava o termômetro, meu Deus?
É preciso verificar, tomar um antitérmico, um antigripal, fazer um chá bem quente! Além do chá não tinha mais nada em casa. Décadas de saúde perfeita acabam desarmando a gente.
Me vi, então, em meio a uma batalha, poderosa, implacável, sem armas para lutar. Todo o meu corpo ardia, queimava e gelava em um jogo de contrastes impressionante. Havia um zumbido e um latejar instalados no mais profundo recondito cerebral anuviando qualquer forma de raciocínio.
A boca seca, os olhos úmidos, as mãos geladas, o suor escorrendo pela testa em meio a um tremor que, a esta altura, percorria o corpo inteiro, me fizeram duvidar de que sobreviveria.
Resolvi ficar imóvel, já que outra opção não havia, e observar os tais fenômenos; perdi o medo; aquilo até que estava interessante!
Neste estado adormeci. Fui acordar quando já amanhecia em perfeito estado e sem sombra de mal estar.
Assim foi que experimentei a primeira dose da vacina contra a Covid-19.
Amanhã tomo a segunda dose.